terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Só falta o Asteroide

Era fim de 2012. A equipe já não via a luz do dia havia dias, trancafiada naquele escritório etéreo. Trabalhavam até dormir sobre os papéis do projeto, debruçados nas linhas de código. O prazo estava apertado. Não ia dar, era loucura.

Quando prometeram aos Maias, parecia que era muito tempo. "Milhares de anos" era um período bem razoável para acabar com tudo. À época do contrato - ou da "previsão", como o marketing aprovou -, as pessoas achavam que nunca ia acontecer. Mas a máxima de que, se você marcou uma data, um dia ela vai chegar, estava mais uma vez concretizada.

Chegou, e chegou rápido. Muito mais rápido do que a velocidade das entregas da equipe. Um tsunami ali, uma praga acolá, algumas etapas do projeto até estavam concluídas, mas o todo estava longe de ficar pronto. Acabar com tudo assim, numa data só, preocupava os gerentes de projeto. A sobrecarga poderia ser grande demais, os continentes podiam se desmanchar mais do que o previsto, a Dercy podia não morrer, sei lá, muitas variáveis, diziam aos diretores.

Mas a data estava marcada. O anúncio estava pronto, tinha que ser feito. Prazo e orçamento estavam estourados: já tinham perdido as datas de Nostradamus e da Mãe Dinah, dos Maias não podia passar. As previsões já estavam ficando sem credibilidade, os ateus quase virando maioria. Questões políticas pressionavam a equipe.

Resolveram liberar uma fase de catástrofes junto com uma primeira leva de imortais. Desligaram Dercy, Hebe, Niemeyer. A máquina frio-calor já estava funcionando, e era orgulho dos engenheiros. Na madrugada em que encontraram um meio de reduzir ainda mais o nível da novela das 9, saíram pra beber: pessoas se torturando e se comendo no horário nobre era um marco importante para o fim do mundo.

Duas semanas de desenvolvimento para migrar totalmente a base da Dignidade para os dois novos servidores, Meus-Direito e Populismo. Enchente, tufão, furacão, acidentes em larga escala já eram rotina consagrada desde a primeira tentativa de acabar com tudo, durante a Campanha "de Mil Passastes, de Dois Mil não Passarás", na virada do milênio. Não foi difícil intensificar.

Criar o clima de fim do mundo não era tarefa tão complicada. Puseram pichadores nas partes mais bonitas do planeta. Encheram de assaltantes, pedófilos, assassinos. Requinte de crueldade, no desenvolvedor que criou o cara-que-arranca-os-itinerários-dos-pontos-dos-ônibus-sem-nenhum-motivo. Pura maldade. Sinal dos tempos.

Essa era a parte fácil. O que preocupava mesmo era o Grande Asteroide. Deixaram pro final, devido a complexidade e ao alto custo do módulo. Até ficar tarde demais, ao descobrirem que os especialistas em asteroides daquele porte não estavam mais nesse pós-vida para treinar a equipe. Tentaram improvisar, um brasileiro sugeriu um aerolito. "Nunca viram Chapolin?", reclamou, quando multiplicaram os olhares surpresos dos membros de outros países.

Tentaram de tudo. Foram guerras, bombas nucleares, qualquer coisa que provocasse a autodestruição sem a necessidade do Asteroide. Nada. "Mundinho esse pra sobreviver, praga!", esbravejou um supervisor.

Até que o dia chegou. A expectativa era grande, os anúncios estavam espalhados por todas as partes, pessoas escondidas em suas casas, esse era o momento. Milhares assistiam ao tão esperado instante do fim do mundo, no pós-mundo. Não havia salvação, estava acabado, destroçado, era hora de por uma pedra - uma imensa pedra - sobre o planeta.

Só que houve uma mudança de planos. O Fim do Mundo foi lançado, com fogos, festa e tudo o mais, as pós-pessoas aplaudiram, a equipe estourou a champagne. O que quase ninguém notou é que o Grande Asteroide foi adiado, para uma próxima versão do projeto.

Criaram uma contingência, levando as pessoas necessárias sob demanda. Os últimos foram o Nelson Ned e o Mandela. Ligaram a máquina do frio-calor na última potência, pra ver se alguém resistia. Por enquanto estão resistindo. Prometeram que o asteroide está quase pronto, mas que talvez seja desnecessário, já que sob vários indicadores, o mundo já acabou, mesmo.

Só falta o asteroide.