domingo, 31 de agosto de 2014

Divagações de timeline


Falta tema, sobra preocupação, falta tempo, sobra impaciência, falta destreza, sobra inércia, falta iniciativa, sobra trabalho, falta organização, sobra nada do que possa faltar para que o texto escorra em letras que encham os olhos. Mas às vezes transborda.

Transbordou.

A pena e o tinteiro já não são privilégios de quem se esforçou para possuí-los. Escrever não se restringe aos que encararam o desafio de dominar as letras. Numa brincadeira de dominação e dominado, pensadores do Novo Milênio se aproveitam do nanquim digital para borrar o branco com sua opinião imediata, revirando os sete palmos daqueles que um dia acreditaram na força das palavras.


Cruz e Souza era filho de escravos, em uma família cercada pela tragédia. Aprendi sobre ele em um museu. Virou poeta, considerado o mais importante do Simbolismo brasileiro. Procure por "poeta negro" no Google. Ele é o primeiro da lista, mesmo morrendo aos 36 anos, no ano de 1898. Apesar da vida curta e sofrida, ele conseguiu dominar a sociedade, depois dominou a si mesmo, depois dominou a língua, até deixar seu legado para todo o sempre.

Hoje ninguém quer ser Cruz e Souza. Desde 1898, ninguém conseguiu tirar o cara do topo da lista do Google. Porque saber escrever caiu em desuso. Porque respeitar a retina alheia é démodé. Porque argumento é coisa do passado. O importante é falar, mesmo sem nada a dizer. É a democracia-do-enquanto-concordarem-comigo. É parar de ter vergonha e passar a ter orgulho de achincalhar a si próprio, à própria família, ao próprio país. É por o filho no curso de inglês, sabendo que ele não escreve duas frases corretas na própria língua.

Por que xingar de macaco é pior do que de filho da puta? Seria pior parecer um símio que ter a mãe na zona? Se o cara fosse grandão e a dona xingasse ele de girafa, a turba furiosa teria apedrejado sua casa?

Houve tempo em que eu debatia política. Argumentava, tentava convencer de acordo com o que me parecia mais correto. Até descobrir que ninguém estava muito interessado nisso. O negócio é o clima de Fla Flu, é descontar toda a raiva em quem der a cara a tapa, dizer que acredita só para depois poder dizer, comovido, que está decepcionado. Apoiar só até a página dois, para não ficar mal na fita. Rir de quem foi manipulado para aparecer na TV sem nenhum preparo, só para acrescentar voto de legenda.

Quero Chico, quero Vinícius, quero teatro, quero viagem. Quero quem complete, quem acrescente, corrija, quem faça rir numa madrugada de hora extra. Quero caipirinha e catuperoni. Quero conversar com o videogame, e me admirar com a tecnologia enquanto danço. Quero quem responda preconceito com competência, não com mimimi. Quem tiver, aprochegue-se. Caso contrário, por favor, distancie-se da minha timeline.