quinta-feira, 2 de março de 2017

Bem dentro da caixinha

No mundo corporativo, muito se fala sobre pensar e agir "fora da caixa". Inovar virou verbo clichê, inovação é substantivo obrigatório em qualquer palestra. Pensar diferente é preciso, mesmo que não se saiba nem exatamente o porquê ou para quê.

Talvez essa dificuldade de agir no tão almejado "fora do esperado", na vida profissional, esteja em um reflexo do que fazemos, e de como encaramos, os outros aspectos da vida. Ao contrário do corporativo, na vida pessoal muitas vezes nos enfurnamos de cabeça nas caixinhas selecionadas pelos amigos, conhecidos, famosos, pela TV, pela Internet, pelo Facebook.

É tanta caixa para entrar, que às vezes nem notamos como estamos lá no fundo delas. É tanto rótulo, que geralmente nem percebemos como nos tornamos fiscais das caixas alheias, e julgamos quando alguém põe a cabeça pra fora. Mesmo que só para tomar um ar.

Tem a caixinha do estilo. "Ah, fulano é nerd", "beltrano é pegador", "aquela ali é hipster", "aquele ali é forrozeiro". Ferrou. Se o nerd for à praia, vai ser uma comoção. "Mas como assim?", "eu não esperava isso de você", "deve ter sido a namorada que forçou". Se o pegador levar a mãe na igreja, é porque está em depressão. Se o forrozeiro ouvir Metallica, céus, capaz de ser excomungado pela sociedade da zabumba.

Tem a caixinha da política. Entre bolsominions e comunistas, é melhor aceito flamenguista virar vascaíno, do que dar um like numa opinião "do outro lado". Como se existissem mesmo todos esses lados.

Tem a caixinha da religião. Evangélico tem que tomar muito cuidado com a música que ouve, para não ser olhado torto por alguns ditos fiéis. E esses negócios de macumba? Deus me livre um católico ir num casamento no terreiro. Disse o Papa que é melhor ser ateu do que hipócrita, mas ele tem andado muito longe dessas caixinhas e pode estar fazendo confusão.

Tem a caixinha dos valores. Se namora, tem que casar. Se casa, tem que ter filho. Se já tem dois, não vai ser doido de ter o terceiro. Se são seus filhos, você tem obrigação de estar muito feliz com eles. Se é foto de família, sorria. Se não namora... é gay. Se não sorriu na foto... hm. Estranho.

Estar bem na caixa é estar bem de vida, dentro do esperado, fora dos cochichos de whatsapp. Estar bem na caixa é o conforto de estar fazendo direitinho. Estar bem na caixa é... desesperadoramente pequeno. Restrito. Apertado. Escuro.

No mundo corporativo, já é assunto batido que as caixas devem ser destruídas, amassadas, pisoteadas. Mas e no resto da vida? Por que o rockeiro precisa ser julgado quando desfila num bloco de carnaval? Talvez ele descubra ali uma nova paixão - e isso não significa que "ele mudou". Por que o nerd não pode arrasar na balada? Existe alguma restrição sobre uma mesma pessoa jogar vídeo game e dançar - algo letal como misturar manga com leite, talvez? E o baladeiro passar o feriadão no Netflix, a mãe deixar o filho com a avó apenas para estar sozinha, o bisavô usar o Tinder, o engenheiro fazer teatro, o advogado ser bom de matemática...?

Até que se prove o contrário, temos uma vida só, muitos desejos, desafios diversos e muito, muito pouco tempo. Parece raso, quase absurdo, a essa altura do campeonato, que você esteja preocupado em tampar sua caixa, deixar ela selada para bater no peito e se orgulhar de "ter o seu estilo", "ser tradicional", "não decepcionar", "não abrir mão". Também parece feio ser fiscal da caixa alheia. Quem está na dúvida, indeciso se vai ou se fica, volta rápido para dentro da caixa, ao ver tantos dedos apontados.

Desmontem as caixas. Queimem as caixas. Destruam-nas. Antes que seja tarde.