segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Quero ver o resultado


"5 x 0. Pelada.", foi o que respondeu quando perguntaram o resultado do jogo do América.


Só ele ainda sabia os resultados dos jogos do América. Mais por causa da Loteria Esportiva - ele ainda era desses que preferia a Loteria Esportiva -, do que pelo gosto futebolístico herdado do avô. Ou apenas para alimentar seu curioso vício. Por resultados.

Começou com o resultado do teste do pezinho. "Tudo em ordem", disse o médico ao pai sério. Mal sabia o Ari que, com algumas gotinhas de sangue impressas em um formulário médico, estava iniciado um processo que nunca o abandonaria.

Quando chegou em casa depois do primeiro dia de aula, suado e vermelho, o pai o chamou num canto e sentenciou: "Quero ver o resultado de seus estudos". Ajeitando a franja molhada, Ari aceitou o desafio, e trazia todas as semanas na agenda a estrela dourada da professora. Só teve problemas uma vez, quando foi pego arrancando a estrela da agenda da Juliana, para colar na sua. Não entendeu motivo para tanto estardalhaço, afinal, o que importava era o resultado.

A época de vestibular foi a glória para ele. Já não importava para os professores e coordenadores o conteúdo, os debates ou as feiras de ciências: o que valia era o resultado nas provas. Ari lia resumos dos colegas, pegava provas da outra turma, colava através de técnicas elaboradíssimas. Chegou a criar um esquema de espelhos côncavos que refletia a prova do nerd da turma em seu relógio de pulso. Infelizmente, o professor de física percebeu o intento, e embora orgulhoso do aluno, removeu a instalação minutos antes da avaliação.

O resultado no vestibular não foi tão bom quanto os anteriores - aparentemente, conseguir as respostas antes da correção não é tão fácil quanto pode parecer nos noticiários. Queria fazer estatística, mas virou atendente na lotérica do tio. A frustração pela falta de resultado acabou passando em alguns meses, quando conheceu Amanda, por quem se apaixonou perdidamente em um fim de noite de sábado.

Resultado: Lucas, que nasceu 9 meses depois dessa louca paixão de 5 (ou 6) cervejas. Ari aumentava a TV para ver o futebol, quando o menino chorava mais alto. Acompanhava os resultados do América e dos outros times com precisão matemática, e podia pagar o prêmio da Loteria Esportiva sem conferir os jogos.

Vez ou outra Amanda reclamava que "ele chegava muito rápido ao resultado". Ari não entendia como o foco no resultado poderia ser um problema. Amanda tentou explicar três ou quatro vezes que nem sempre o resultado é o mais importante, depois desistiu: era um vício mais forte do que ela.

Junto com a Loteria, Ari passou a apontar Jogo do Bicho também. Conhecia todas as lendas envolvendo os resultados: "Joga no coelho, Dona Amélia. Tem meses que não sai coelho, essa semana vai."; "Sonho tem que fazer três jogos seguidos, senão não dá o resultado". Conseguia uma clientela razoável com sua lábia, mas depois que prenderam o bicheiro, Ari deixou de colar os resultados no poste.

Parou de acompanhar a Fórmula 1 depois que o Rubinho deixou o Schumacher passar, em pleno dia das mães. Não achava digno que alguém abandonasse o primeiro lugar assim, por ordens superiores. Foi cabo eleitoral de um candidato a vereador vizinho seu, e ajudou a turbinar o resultado das urnas com distribuição de raspadinhas junto aos santinhos. Virou voluntário nos jogos Pan-americanos do Brasil, só para alterar o placar nos torneios de tênis de mesa.

Já estava na terceira idade quando Amanda o trocou pelo padeiro. Ficou estupefato ao saber que o homem que o derrotara no amor era um barrigudo sem metas na vida, e cujo único objetivo era deixar o pão fofinho antes das 6 da manhã. Dizem as más línguas que Amanda anda com um sorriso no rosto, falando por aí que o João não tem a menor pressa para chegar ao resultado.

Na praça, os amigos evitavam Ari no dominó e no baralho. Partidas com ele precisavam ser completadas na maior concentração, e era preciso tomar cuidado para que não tirasse uma carta da manga - literalmente - só para fazer uma canastra. Muitas vezes, ele sobrava sozinho na mesa jogando paciência, esporte de que gostava intimamente, já que era sempre o campeão.

Aposentado, filho e netos criados, ex-esposa mantida a pão-de-ló pelo padeiro, Ari não tinha mais muitos resultados a alcançar. Mantinha apenas as apostas na Esportiva e na Mega Sena, mas depois de anos lidando com jogos, sabia que esses eram resultados com os quais só se sonha.

Num fim de tarde, olhando o pôr do Sol pela janela, ele se perguntou como o astro-rei ia e vinha todos os dias, sem alcançar um objetivo, e mesmo assim não perdia sua grandiosidade. Contemplou os últimos momentos de claridade, até que a brisa empurrou o frescor da noite quarto adentro. Passou a madrugada acordado, pensando em tudo o que não percebeu, enquanto corria para os objetivos. O Sol já voltava a brilhar quando notou que não havia dormido. Ia guardar os pensamentos na gaveta e deitar, quando viu o bilhete da Mega Sena sobre a mesa.

E se ele tivesse ganhado? O que faria? Buscaria outros resultados? Compraria casas, a mulher de volta, colocaria o América de volta na primeira divisão? Apostaria em cavalos, faria campanha para que o vizinho vereador virasse Prefeito? Seria uma celebridade, e postaria as fotos do sucesso no Facebook?

Não. Tudo isso era resultado, coisa que ele colecionara durante a vida. Decidiu que, se tivesse a chance, apostaria tudo no caminho, e não no destino. Seria um anônimo a aproveitar os dias que lhe restassem, os nascer de Sol por todos os ângulos, os sorrisos e os "bom dia" dos vizinhos. E as disputas de quinto lugar, o orgulho de quem chegou em último mas estava feliz em participar. É, isso o que faria. Pelo menos depois de uma noite de elucubrações, foi o que concluiu, o olhar brilhando.

Observou o bilhete mais uma vez. Talvez fosse tudo besteira de uma mente entorpecida. Talvez não. Pegou o pedaço de papel, pôs no bolso, calçou os sapatos e saiu em direção à loteria. Ao trancar a porta, pensou alto:

"Quero ver o resultado".