As multidões estão proibidas, e os Arlequins estão chorando amores em suas casas.
A sexta não foi mais leve. Reuniões de Zoom não substituem sorrisos coloridos de corredor.
Rei Momo não pegou a chave. As máscaras não são de carnaval, e o álcool é em gel.
Os ambulantes vendem adereços contra o vírus. O vírus não é ter purpurina por todo o corpo até semana que vem.
Milton Cunha vai comentar um Sambódromo vazio. Abram alas, as Velhas Guarda são prioridade - nos postos de vacinação. Portelenses e Mangueirenses rezam juntos em seus barracões empoeirados, para que ano que vem seja diferente. O Maior Espetáculo da Terra está mudo.
"Ah, é um feriadão, dá pra descansar".
Descansar um corpo que não se cansou de ir e vir, e uma mente que já não sabe o que fazer para sobrepor vontades. Vontade de ir ali e encher a cara, e o único álcool ser o da caipirinha. Vontade de ir, vir e não voltar carregando o medo do vírus. Vontade de olhar as pessoas na rua e não julgar quem não se importa em ajudar a matar mais de mil brasileiros por dia. De não saber o que é média móvel, cepa, variante, PCR, comorbidade, colapso do sistema de saúde.
Existia um tempo em que oxigênio era abundante e disponível para todos. Nesse tempo, havia bloquinho, havia latão, calor e sacolé de sei lá que bebida, havia gente-pacarai-no-Cordão-da-Bola-Preta-meu-Deus-que-absurdo. Havia alegria e choro, e aquela alegoria que batia na torre de transmissão. Havia o time do não me importo vou pro Hotel Fazenda, e o bairrismo do samba versus frevo versus axé versus paulista não sabe sambar.
O lança-perfume esse ano é o gás lacrimogêneo para quem não conseguiu aceitar a não-aglomeração. A ousadia é ir e vir, a irreverência é compartilhar memes de outros carnavais. O Espírito do Carnaval está quieto, cuidadoso, e sussurra na alma de cada folião na fila da vacina: vai passar... vai passar...
Vai passar! Tem que passar... "Vai passar, nessa avenida um samba popular"... Esse ano não, Chico. Os paralelepípedos estão quietos.
Esse ano, não tem Carnaval.
