domingo, 6 de janeiro de 2013

Passado

Soltou a mão da mãe e correu para a entrada do museu. Nem imaginava que o grande pórtico em formato de 'M' tinha significados tão diversos para aquela estranha e distante cultura.

"Luzia, volte para cá! Não está vendo o homem? Vai pegar você!"

Luzia voltou-se assustada para o tal homem. Era grande, bem maior do que ela, as mãos segurando ferramentas que ela desconhecia. O rosto não parecia tão assustador, sabia que não era de verdade, mas por via das dúvidas, voltou para perto da mãe.

"O que aquele homem está fazendo, mãe?"

A mãe leu na placa indicativa "homem lavando louça". Não sabia bem o que aquilo significava, mas não podia deixar a filha em dúvida. Como todas as mães fazem de vez em quando, improvisou sem pensar muito.

"Ele está separando potes para a caça, filha."

Seguiram. Luzia se esticava na ponta dos pés para ver os conjuntos de potes. Não sabia porque todos os museus exibiam tantos potes. As pessoas antigamente deviam gostar muito de potes. Eram coloridos, transparentes, retangulares e redondos. Gostava dos que tinham tampa. A explicação ao lado da coleção era grande demais para a leitora recém alfabetizada, que resolveu soletrar apenas as letras da lateral de um dos recipientes: "TU-PPER-WARE".

Não tinha ideia do que significava aquela palavra, mas isso não importava muito. Não entendia grande parte das coisas que via em museus, mas achava interessante mesmo assim. Ao contrário das outras crianças, que corriam por entre os expositores sem se importar muito com o passado, Luzia tinha a sensação de que devia respeitar todo aquele arsenal de coisas velhas ali expostas. Era como conversar com o vovô: mesmo não entendendo muito do que dizia, sabia que devia ouvir e aguardar até que terminasse de falar. Havia uma conexão entre Luzia e aquelas coisas, que ela não sabia explicar.

Subiu as escadas e chegou a um grande salão com itens que não reconheceu. Leu sobre o portal "MÁ-QUI-NAS". O que era aquilo, afinal?

Letras enfileiradas em cubinhos, presas em um aparelho que não conhecia. Ao lado, um outro artefato ainda mais curioso, muito liso. Leu novamente com seu alfabeto pré-aprendido: "S-A-M-S-U-N-G".

"Mamãe, o que é isso, Samizugue?"

A mãe gostava de distribuir cultura à filha, mas ficava incomodada com essas perguntas. Para as crianças, os pais sabem as respostas. Mas para aquela questão, nem grandes especialistas estavam certos em torno de uma única resposta. Uns diziam ser uma inscrição indicativa de algum ritual, outros acreditavam que seria uma espécie de título dado a cavaleiros, após passar pelos testes da Tecnologia. Este era, aliás, tema que dividia os arqueólogos e cientistas: enquanto uns acreditavam que o deus Apple havia reinado na Era da Tecnologia, levando seus súditos a carregar o símbolo em formato de maçã no bolso, outros achavam que isso não passava de um amuleto de boa sorte. O que se sabia apenas é que homens de várias raças e aparências, cujas ossadas foram encontradas por todo o planeta, carregavam as inscrições da maçã e da SAMSUNG consigo, indicando que estes eram artefatos de grande importância. Havia os portáteis, e os de grande porte.

Vários desses exemplares estavam na frente da pequena Luzia, que indagava a mãe sobre aquela massa de aparelhos pretos e brancos, que ela desconhecia. E a mãe precisava de uma boa resposta.

"É o nome de um grande governante, Luzia. Pai daquele cara ali."

Luzia mirou o "cara ali". Era uma estátua de cabelos desgrenhados, um paletó como o de tantos outros e, curiosamente, o personagem trazia a língua de fora. O pai observava a placa que explicava quem era aquele homem curioso. Ela chegou perto do pai e viu como ele era bem menor do que a estátua. Mas ela admirava muito o pai. Ele nunca voltava de mãos vazias da caça, e além da comida sempre trazia uma flor para Luzia. A menina gostava muito das flores, porque elas coloriam seu quarto cinza, e ela não tinha muito o que fazer depois que ajudava a mãe na horta, a não ser olhar suas plantas.

Luzia se aproximou do pai, e pediu para que lesse o que dizia a placa. Ele apertou os olhos e tentou não demonstrar à filha o cansaço de seus olhos e a pouca prática com a leitura. Leu de uma só vez o que dizia a placa:

"Não sei como será a Terceira Guerra Mundial, mas poderei vos dizer como será a Quarta: com paus e pedras".

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