domingo, 8 de fevereiro de 2015

Sou Grata

Na confusão dos pensamentos de dias que não param de se atropelar, muitas vezes é difícil deixar de lado a catarse, nas expressões ditas e escritas. Dramatizar é preciso, pensam os pessimistas, agem os midiáticos, profetizam os sofredores. Se eu sofro, se você sofre, se o sofrimento é o mote, deixa de ser tão dolorido e vira parte da rotina.

Mas, dizem os entendidos, é sempre bom sair da zona de conforto. Mesmo que seja a zona do conforto do sofrimento. Uma experiência analítica seria colocar numa planilha tudo o que aflige, e tudo o que consola. E ser grato pelo que está na segunda coluna. Cuidar dessa metade, cultivá-la, mesmo quando a outra estiver em destaque, sambando no noticiário.

Sou grata pelos fins de semana de preguiça. Pelas idas ao teatro. Pelas compras da Feira do Lavradio. Pelas pequenas conquistas. Aprendi a andar de bicicleta no ano passado, com (quase) 30 na cara. Na cara, nos braços e nas canelas, que ficaram meio roxas no aprendizado. Mas aprendi, e semana passada fui até a cabeceira do aeroporto de bicicleta, toda prosa, para ver os aviões decolando e pousando. Sou grata por poder aprender coisas de criança.

Sou grata pelos que estão sempre aqui do lado. Se eu aprendi a andar de bicicleta, foi porque alguém muito especial estava ao meu lado, me ensinando mesmo sem saber ensinar. "Leveza no corpo, leveza no corpo!!", haha, me emociono ao escrever a frase que me fez pedalar.

Sou grata pelos que se importam. Semana passada, quando forcei meu olho direito a uma carga horária maior do que ele gostaria, mesmo assim eu me senti bem. Porque um me alertou, o outro chamou táxi, outros me distraíram, me fizeram rir, me deram bronca, me acompanharam no exame. Obrigada, obrigada, obrigada.

Sou grata pela minha casinha, pelas minhas coisas, pelo silêncio que me abraça quando estou só, e pelo barulho das companhias sempre bem vindas. Cada canto dos meus trinta metros quadrados tem um pouco do carinho de quem se importou, se lembrou, ou está na foto de tantos instantes infinitos.

Sou grata pelo que aprendi ao longo dos meus (ainda) vinte e tantos anos, nas formas ortodoxas do professor-papel-caneta, ou na marra, ou por aí. Fazer quentinhas pode ensinar a gerenciar projetos de forma mais eficaz do que muito curso de especialização. Tudo depende da forma como se olha. Sou grata por enxergar, mesmo míope, através de algumas facetas pouco comuns, e aplicá-las ao novo.

Sou grata por sair da zona de conforto toda vez que o sarrafo levanta mais um pouco, e me desafiam a pular por cima. Cansa, desanima. O dia a dia de fazer pela primeira vez nunca é tão emocionante quanto nos filmes - nem dá pra resolver tudo dentro das duas horas entre os trailers e os créditos. Mas quando o resultado aparece, quando você tem o orgulho de dizer "fui eu que fiz", mesmo que só para você mesmo.

Sou grata por mudar de ideia, e poder mudar junto com a ideia. Se há uns anos atrás eu acreditava que a única saída era não se apegar a um alguém, vi em bons exemplos que nem sempre esse apego dá errado. Meu espaço amostral estava viciado, e ampliando-o achei casos de sucesso. Tanto, a ponto de achar que, de repente, também é possível criar o meu. Quem sabe. Viva essa metamorfose, cantada há tantas décadas.

Sou grata porque posso enumerar minhas gratidões e publicá-la para de repente ninguém ler, ou para talvez só um você ler, ou quem sabe alguns de vocês lerem. Ordenar as letras em palavras e ideias sempre acalma, e pela calmaria também sou grata. Sou grata por quando a tecnologia agrega, ao invés de dividir. Sou grata pelos raros momentos em que as pessoas expõem o que sentem, e não o que mandaram sentir. Quando a opinião surge da observação das coisas, e não da observação das observações, que vieram da observação de quem observa por profissão, e não por gosto.

Sou grata porque, mesmo que ninguém chegue ao último parágrafo, eu o escrevi. E agradeço por ter tanto a agradecer, o que talvez tenha tirado o pouco interesse de um ou outro que começou a leitura, pelo excesso de palavras. Não importa, também sou grata pelas semi-leituras e pelas quase-leituras.

Obrigada.

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