domingo, 19 de junho de 2016

Dos profissionais apaixonados - Ou porque eu torço pela Gabi

Semana passada a Gabi se formou. Arquiteta. Mercado de trabalho complicado, a sombra midiático-arrebatadora da crise já escurecendo a tradicional foto-jogando-o-chapéu. E as incertezas naturais daquela viagem que começa cheia de malas vazias, sabe-se lá para qual destino, sabe-se lá com quais escalas.

Minha torcida pela Gabi, porém, é enorme. Não porque ela é uma pessoa muito legal, excelente companhia para todo canto - uma daquelas surpresas agradáveis que você ainda encontra no modo offline, no melhor estilo amigo do amigo do amigo. Só isso já seria suficiente para meus desejos de sucesso, mas profissionalmente a torcida é totalmente racional: ela é apaixonada pelo que faz. E o mundo precisa muito, muito disso. Com urgência.

Gabi é representante do grupo de profissionais que escolheu a profissão, não o cargo. Ela entra no restaurante e percebe o estilo do teto antes de olhar o cardápio. Explica pro grupo o que é um pé direito, cheia de orgulho. Intimamente, tem vontade de um dia construir o projeto que montou para o trabalho de conclusão de curso.

Por isso eu torço. Porque só um arquiteto que passa na rua analisando as varandas alheias, por distração, vai saber fazer uma varanda corretamente. Porque só o programador que, de bobeira num sábado à noite, discute uma nova tecnologia com o amigo, vai saber tomar as decisões certas quando o projeto for de verdade.

Tirando um pouco o foco da arquitetura e das faculdades, vamos inserir na história o Seu Gilson. Ele é o cara da dedetização, que vem aqui na casa do Aquino de tempos em tempos, colocar remédio contra baratas nos cantinhos. Trabalho que certamente não dá uma vida de luxos ao Seu Gilson, que apesar de novo já tem dois ou três netos. Mas o Seu Gilson é fascinante. Ele conhece as espécies de baratas, o que cada uma gosta, onde se escondem, onde é o lugar para colocar o veneno. Apaixonante, até eu tive vontade de pesquisar sobre baratas, depois que o conheci. E o resultado do que ele faz é excelente, nunca mais tivemos uma intrusa por aqui. Serviço de qualidade. Ah, como é raro um serviço de qualidade! Seu Gilson é uma espécie em extinção, que precisa de proteção, cuidado e condições de se multiplicar. Porque é um apaixonado, e precisamos de apaixonados.

Quanto tempo e quanto dinheiro são perdidos todos os dias, por trabalhos mal feitos, em todas as esferas? Como é ruim ter que aguardar duas horas num consultório para ser atendido. Como é custoso perder um dia de trabalho esperando o técnico que marcou e não veio. Como é frustrante ter que chamar o encanador três, quatro, cinco vezes para resolver o mesmo problema, porque ele não soube identificar de onde veio o vazamento. Quantos milhões as empresas perdem por hora, quando um profissional se esconde em sua baia, sob o manto do "isso não é problema meu", e não vai até a baia ao lado, resolver o problema. Porque estão ali apenas pelo cargo, pelo dinheiro, pelo ponto, pela promoção, pelo "meu lugar ao Sol", pelas férias, chegam apenas para ir embora. Anos, décadas chegando apenas para partir.

Ao contrário da minha alegria quando vejo um novo apaixonado chegando, está a minha frustração no papo clichê do "qual concurso você vai fazer" - nada contra os concursados, por favor. Minha birra é com a forma de pensar. O cargo é, bem, apenas um cargo, como todos os outros. Milhares, milhões de cérebros afiados, braços fortes, comunicação nata, que são condensadas, reduzidas, achatadas na tal da estabilidade a qualquer custo. Sem nem colocar na conta o que vão fazer durante dias, meses, anos, décadas a fio. Um casamento de 35 anos sem paixão. Será que vão suportar até a aposentadoria? Será que se matam antes? Tiro na cabeça, o veneno da obesidade, dos vícios, a frustração de uma vida não vivida, tudo isso mata. Será que se divorciam antes do fim? Quando o braço estiver cansado, o cérebro desacostumado, a fala presa, talvez seja tarde demais para se arrepender. Será que ficam viúvos? A tal estabilidade está fincada sobre a bandeja de um garçom bêbado, atravessando o salão. Quem sabe até quando as tulipas estarão cheias de chopp.

Não defendo workaholics. Acho que morrerão cedo, frustrados e sozinhos, porque trabalhar não é tudo. Mas é uma boa parte. Assim como dizia a propaganda da Ortobom, 1/3 da sua vida você vai começar partindo para mais um dia de trabalho. E a humanidade precisa desse trabalho para continuar sendo humanidade - para melhor ou para pior, dependendo muito da qualidade do que cada um de nós está fazendo, todos os dias.

Pela humanidade. Pela qualidade. Pela fé de que uma coisa ou outra ainda podem dar certo. Um viva à Gabi, ao Seu Gilson e a todos os apaixonados. Viva!

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