domingo, 23 de abril de 2017

Sobre martelos, pregos e Analistas de Sistemas

Em um universo paralelo, muito distante de tudo o que você já viu ou ouviu em seu ambiente de trabalho...

Foram buscar duas cadeiras ao lado, para usar na reunião. A sala estava cheia, havia representantes de todas as áreas da empresa, pessoal estratégico mesmo. O projeto era o principal do ano, por isso as melhores cabeças estavam reunidas em torno das decisões e do planejamento do que seria feito.

O gerente de vendas, anos de prática com clientes e fornecedores, iniciou a reunião trazendo a mais nova necessidade do mercado:

"Pessoal, identificamos um nicho de vendas sensacional, que precisamos atacar o quanto antes. Como vocês podem ver nos gráficos projetados aqui, ao longo dos últimos anos os artistas abandonaram as pinturas rupestres, e começaram a pintar em quadros. Telas, , molduras, tinta a óleo. Quadros de natureza morta, pessoas ilustres, frases de efeito... enfim, quadros. Vocês já devem ter ouvido falar disso", e trocou o slide, exibindo um exemplar de uma obra de arte renascentista. Cabeças balançaram positivamente, algumas porque de fato haviam visto a peça anteriormente, outras apenas para não parecerem desatualizadas.

"Pois bem", continuou, "esses quadros estão se amontoando nas casas das principais personalidades da nossa cidade, e tornou-se uma demanda comum da alta sociedade colocar, de alguma forma, esses quadros presos em suas paredes, para que fiquem em exposição e não ocupem espaço sobre as mesas e prateleiras. Analistas de todo o mundo estão pensando na melhor forma de fazer isso, e a nossa empresa não pode ficar para trás".

O gerente da manufatura suspirou. Lá vinha o pessoal de vendas com mais uma invenção. Para que isso de pintar em quadros? Por que não continuam pintando os afrescos nos tetos, nas paredes e nas fachadas das casas, como sempre foi feito? Funcionava tão bem, era tudo tão bonito há séculos. Isso de quadro era certamente uma modinha do pessoal hipster. Ia passar.

O cara do contábil ficou preocupado. "Como é que vai ser isso? Se agora as paredes tem quadros, vamos ter que vender paredes com quadros embutidos. Eu teria que consultar o jurídico, para saber se isso deve ser contabilizado como construção civil ou como obra de arte."

"Bom, se temos uma obra de arte envolvida, imagino que deva ser contabilizado assim", retrucou o advogado do outro lado da mesa. "Mas temos que ver como vamos distribuir essas paredes pré-fabricadas, se por navio ou caminhões. O modo de transporte vai influenciar nos impostos que precisam ser pagos."

"Ah, isso varia de acordo com o cliente", respondeu o responsável pela área de produtos. Ele já tinha alguns protótipos rabiscados no caderno, e continuou: "Isso vai depender do tamanho da casa de cada um. Precisamos construir paredes sob medida para cada contrato assinado, e só então saberemos qual a melhor forma de transporte. Temos que definir também quantos quadros poderão ser colocados em cada parede, no máximo, e montar o nosso portfólio de opções. Podemos montar mostruários em nossas lojas físicas, para que os clientes conheçam todas as opções de paredes com quadros que vamos disponibilizar, e escolher uma delas. O cliente leva as obras de arte nos tamanhos pré-definidos na loja, nós fabricamos a parede em torno dos quadros e entregamos no endereço desejado."

O gerente de artes estava aflito na cadeira, e aproveitou a pausa do colega para dar sua contribuição: "Gente, eu sei que a obra de arte não é nossa, mas precisamos definir a paleta de cores das paredes. Não vai dar pra ser tudo branco."

Uma conversa paralela começou entre os representantes do pessoal de tecnologia. Eram eles os responsáveis por construir a solução que estava sendo desenhada na mesa, e um deles, cara com anos de experiência no ramo, começou a falar: "Pessoal, vamos por partes. Tem muita coisa que está faltando aqui, e que precisa ser pensada. Primeiro, os quadros serão verticais e horizontais? Isso já multiplica por dois todas as opções do portfólio. Outra coisa, o material da parede. Madeira, tijolo, qual vai ser? Se a gente for vender pros gringos, eles adoram uma parede de madeira. Esse negócio aí da paleta também vai ser brabo. Imagina o estoque em cada loja física, de um monte de tinta. Não sei não, eu faria inicialmente só branco, mesmo. E um negócio aí que ninguém pensou, é o que a gente vai usar pra juntar uma coisa na outra" - pegou a caneta do quadro branco e começou a rabiscar - "como é que a gente vai fazer, tem a moldura, a tela do quadro, a parede, reboco... como fica aqui entre uma coisa e outra?" - rabiscou fortemente o esquema, na parte entre a parede e o quadro.

Nesse momento, um outro cara da tecnologia, que desenhava alguma coisa num bloco de papel, pediu a palavra cutucando o colega, que resistiu, mas entregou-lhe a caneta do quadro-branco.

"Pessoal, eu estive aqui pensando em tudo o que vocês colocaram, sobre a necessidade dos nossos clientes e o nicho de mercado que o gerente de vendas nos trouxe... e queria dar uma ideia um pouco mais simples... me digam o que acham."

O rapaz começou a rabiscar uma ferramenta, e o esquema de como usá-la. Uns bufaram, outros ficaram surpresos, dois menearam a cabeça indicando que era "naquilo mesmo que tinham pensado", e seria razoável dizer que um ou outro já nem estava mais prestando atenção ao que acontecia.

Ele escreveu, deu algumas explicações de seus diagramas, e ao fim completou: "então, eu chamo isso aqui de martelo. E esse outro aqui, é o prego."


***


Essa historinha é apenas um exemplo bobo do que considero em minha explicação, quando me perguntam o que faz o tal do Analista de Sistemas - cargo carimbado na minha Carteira de Trabalho e na de tanta gente por aí.

Idealizar as melhores ferramentas, esse é o trabalho de um analista de sistemas. Não é seu papel verbalizar empecilhos, listar tudo o que o usuário quer ou idealizou como solução, dizer onde fica o botão, qual o tamanho da tabela, impor dificuldades para mostrar facilidades. O desafio, o que separa um cara d'O cara, deveria seguir sempre o mesmo processo: ouvir o problema, entende-lo, processá-lo, e apresentar uma solução que atenda à demanda. Com cuidado: eficiência, custos, prazos e principalmente o valor daquilo que está sendo entregue para o cliente, tudo faz parte da análise de um sistema. Prover soluções, não novos problemas. Essa é a meta.

Fazemos martelos e pregos. Ou paredes personalizadas com obras de arte embutidas. Qual dessas soluções será desenhada e aplicada, bem... cabe ao seu Analista de Sistemas preferido dizer.

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