segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A Saga de um Molar

Para os criacionistas:

"...e então, Eva provou do fruto proibido. Deus ficou furioso e desceu ao Paraíso esbravejando: 'vocês condenaram toda a humanidade ao frio, à fome, ao engarrafamento da Avenida Brasil e à dor de dente eterna!'"
Para os darwinistas:
"...e os membros mais fortes de cada espécie foram sobrevivendo, em detrimento daqueles que possuíam deficiências para viver. Exceção a isso são os dentes: eles provocam problemas a todas as espécies até hoje."
Para os realistas:
"Dente filho da puta!"
 Como realista que sou, gostaria dividir com vocês a saga do meu molar inferior esquerdo (à direita de quem vê). Depois de dezesseis consultas dentárias, uma semana de dor lancinante e muitos meses de idas e vindas de um inefável bloco de porcelana, hoje volto a mastigar normalmente. Entre tantos episódios e salas de espera, houve tempo de sobra para filosofar sobre meus dentes. Na verdade, sobre todas as arcadas da humanidade.

Dente é um ente ingrato. A gente escova, bochecha, mastiga, divide com ele os prazeres de um camarão ao alho e óleo, mas uma hora ele retribuirá esse companheirismo com uma pontada, no momento mais inoportuno. Sim, porque nunca há momento oportuno para dor de dente, e existem poucas doenças mais inconvenientes do que uma "polpa danificada" (causa do bendito tratamento de canal). Talvez uma dor de barriga seja mais inconveniente. Só que não existe Imosec para dor de dente.

Todo mundo tem uma história trágica envolvendo seus dentes ou os dentes de alguém bem próximo. Se eu ganhar na Mega da Virada, vou encomendar ao Ibope uma pesquisa sobre quanto dinheiro é perdido no Brasil anualmente, em atrasos e faltas de trabalhadores com dores de dente. O tempo perdido certamente superará os milhões economizados com o horário de Verão, ou desperdiçados com feriados sem muita eira, como o de 20 de novembro. Pelo menos no dia do Zumbi a gente descansa.

Nada contra os dentistas, preciso destacar. O barulhinho do motor deles é música para os meus ouvidos, levando a dor embora. Claro que guardo um ressentimento dolorido do início da saga do meu molar, que gritava por um tratamento de canal, quando uma energúmena odontóloga dizia que o problema era gengiva. Dias depois uma segunda energúmena odontóloga explicou que não era a gengiva, era o siso. Siso o escambau, era o molar. Deus salve o terceiro dentista que me consultou depois de uma semana de pesadelo, e me livrou daquela dor bizarra. Preciso resgatar os nomes desses três personagens; em breve coloco aqui, a quem interessar possa.

Depois de ter um dente em ordem, a gente fica até meio emotivo. Por isso, aos que aturaram minha dor de dente, meus agradecimentos especiais - ao namorado, que foi sumariamente convocado em todos os almoços doloridos, e me ajudou a engolir purê de batatas com menos sofrimento; ao meu avô, que me levou ao dentista uma semana antes de infartar (aliás, vale ressaltar que meu avô infartou e desenfartou, com direito a cateterismo e angioplastia, antes que eu completasse a saga do meu molar; nesse momento, graças a Deus, ele está ali na sala vendo a novela); aos parentes e amigos de trabalho que aturaram minhas caras feias, choramingos e corridas ao dentista. Curioso mesmo é eu não ter escrito um agradecimento desse tipo na minha formatura. Acho que a faculdade doeu menos.

Como toda saga tem uma continuação, imaginemos um fim visual para esse último parágrafo. Um sorrisão bem grande, feliz, contente, de quem terminou um tratamento dentário com sucesso. A câmera vai se aproximando do sorriso, de todos os dentes, foca em um deles e vai se aproximando, chegando mais perto, e mais perto, mostrando o esmalte em detalhe. Chega tão perto que faz um raio-x do sorriso e chega à polpa do, digamos, molar superior esquerdo (à direita de quem vê). Lá dentro, um novo nervo raivoso pulsa, pulsa, pulsa, pulsa... Fim. Trilha sonora, sobem os créditos.

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