sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Já dizia a minha avó

"Nego pensa que merda de pinto é ovo". Não só a minha avó dizia, como continua dizendo, de bengala em punho, bradando suas convicções para quem quiser ouvir.

Mal sabe ela como está complicado, atualmente, lançar um dito popular numa conversa, ou numa briga, ou numa frase de parachoque. Pensando melhor, talvez ela até saiba, mas pouco se importa, e fala mesmo. É por isso que eu adoro a minha avó.


À exceção da minha avó e de alguns outros indivíduos, envelopados e selados com "alienados da sociedade atual" no lugar do remetente, e "afastamento e desdém público" no destino da correspondência, todas as outras pessoas passam hoje por um dilema psicossocial de fundo relativo: o uso das frases feitas.

"Quem com ferro fere, com ferro será ferido" é um exemplo. O sujeito escreve isso em sua linha do tempo no Facebook, digamos, só porque lembrou do bisavô que repetia essa frase. Imediatamente, uma amiga enojada com tamanha violência responde que é por isso que o Brasil está como está, com Amarildos desaparecidos, por conta desse "olho por olho, dente por dente" - e olha que essa frase feita está feita desde a Bíblia. Alguém vai citar as torturas da ditadura, e perguntar no final: "é isso o que você quer para os seus filhos?"

"Filho de peixe, peixinho é" seria outro problema, com duas conotações diferentes. Numa primeira olhada rápida pela timeline (porque todas as olhadas pela timeline são rápidas), uma frase dessas poderia soar absolutamente desestimulante para os jovens, dominadora e intransigente. Repare: se o cara é pedreiro, marceneiro, bombeiro hidráulico, ele precisa querer que o filho seja doutor. Se é um advogado bem sucedido, deve desejar que a filha seja psicóloga de cães ou astronauta, para não ouvir para todo o sempre que está "na sombra do pai". Seja qual for a experiência, a vida, as conquistas do pai e da mãe, ensinar o legado para o filho parece pequeno. Antes, não havia escolha; agora, tem-se que optar pelo diferente. Uma pena: nunca foi tão difícil encontrar um bombeiro hidráulico que saiba o que está fazendo, ou um marceneiro com orgulho de suas obras. E, convenhamos, eles são muito mais críticos na sociedade do que os psicólogos de cães. Nada pessoal.

O ditado do peixe traz ainda outra questão: os filhos à distância. Hoje está na moda fazer tudo à distância: curso à distância, faculdade à distância, conversa à distância, namoro à distância. Seguindo a tendência, um grupo de pais bolou a criação de filhos à distância, e a ideia se espalhou. Seja por falta de tempo, dinheiro, paciência, status social ou um pouco de cada, muita gente vê os filhos, esporadicamente, nos fins de semana, se chover. Todo o resto do tempo fica na conta de terceiros: uma ou outra avó (se houver), e babás de todo gênero. Daí, cai por terra o nosso ditado popular. O filho do peixe poderá ser um sapinho, de repente, se a mãe deixá-lo todo dia às sete da manhã na lagoa, aos cuidados de uma anfíbia bondosa.

"Um dia da caça, outro do caçador" ganharia a fúria dos vegetarianos, dos protetores de animais e afins. O "boi de piranha", então, ganharia fotos grotescas do processo, como denúncia.

"Deus sabe o que faz". Ou não. Se soubesse, talvez não existissem tantos ateus discordando, evangélicos gritando, umbandistas reivindicando por aí. Talvez seja de propósito: depois de usar o livre arbítrio a torto e a direito - mais a torto que a direito - de repente Deus ficou cheio dos humanos e deixou correr, só pra ver o circo pegar fogo. Aliás, deixar "o circo pegar fogo" é uma grande maldade com os palhaços.

"Quando um não quer, dois não brigam" caiu em desuso total. Depois das redes sociais, blogs, crônicas e etcéteras, a coisa mais fácil de se fazer hoje em dia é brigar sozinho. Dá até pra discutir e comentar a própria opinião. Dependendo do nível de argumentação, indignados nível pró são capazes de discordar de si mesmos.

E por aí vai. Em tempos em que tudo é relativo, não se encontra conforto nem nos ditados populares. No fim, paga-se o justo pelo pecador. Mas é assim mesmo, águas passadas não movem moinhos. Ou talvez movam, depende do que os cientistas dirão semana que vem, para contradizer no próximo mês.

Já dizia minha avó: focinho de porco não é tomada. É por isso que eu adoro a minha avó.

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